1. Introdução
A segurança no trânsito é, desde as primeiras décadas do século XX, uma das maiores preocupações dos governos modernos. À medida que os veículos automotores se tornaram parte indispensável da vida urbana, os acidentes viários cresceram em proporção alarmante, trazendo consigo não apenas perdas materiais, mas vidas interrompidas precocemente. Nesse contexto, a campanha Maio Amarelo surge como um movimento estratégico de conscientização e articulação social, com o objetivo de reduzir os índices de mortes e lesões no trânsito.
Este artigo pretende analisar a origem do Maio Amarelo, os instrumentos jurídicos e institucionais que o sustentam, bem como suas consequências práticas e normativas, especialmente sob a ótica do Direito de Trânsito. A análise também perpassa aspectos sociológicos, estatísticos e normativos, com base em dados do DENATRAN, OMS, IBGE e em resoluções do CONTRAN.
2. Origem da Campanha Maio Amarelo
O movimento Maio Amarelo foi lançado oficialmente em 2014, inspirado pela Década de Ação pela Segurança no Trânsito 2011-2020, proposta pela Organização das Nações Unidas (ONU) em parceria com a Organização Mundial da Saúde (OMS). A proposta da ONU visava incentivar os países-membros a desenvolverem políticas públicas voltadas à redução de mortes no trânsito, que, à época, superavam a marca de 1,3 milhão de mortes por ano no mundo.
A cor amarela foi escolhida por seu simbolismo: trata-se da cor da atenção e advertência no trânsito, presente na sinalização viária em placas de advertência e nos semáforos. O mês de maio, por sua vez, foi escolhido em alusão à assinatura, em 11 de maio de 2011, da resolução da ONU que instituiu a referida Década de Ação.
No Brasil, o Maio Amarelo foi institucionalizado a partir da mobilização do Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV), com apoio do poder público, de empresas privadas e da sociedade civil. Desde então, o movimento se tornou um dos maiores do mundo em sua categoria, sendo replicado em mais de 30 países.
3. Fundamentação Legal e Conexões com o Direito de Trânsito
A campanha Maio Amarelo encontra respaldo indireto em diversas normas do ordenamento jurídico brasileiro, ainda que não tenha sido criada por uma lei específica. Ela dialoga diretamente com princípios e dispositivos do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), especialmente com os artigos que tratam da educação para o trânsito, do papel do Estado e da responsabilidade dos condutores.
3.1 Código de Trânsito Brasileiro (CTB)
A base legal mais evidente é o artigo 74 do CTB, que estabelece:
“A educação para o trânsito será promovida na pré-escola e nas escolas de 1º, 2º e 3º graus, por meio de planejamento e ações coordenadas entre os órgãos do Sistema Nacional de Trânsito e de Educação, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.”
Além disso, o art. 76 afirma que o ensino de educação para o trânsito é obrigatório nas escolas públicas e privadas, desde a educação infantil até o ensino médio. O Maio Amarelo, ao realizar campanhas educativas, cumpre, na prática, essa previsão legal de conscientização social.
3.2 Resoluções do CONTRAN
O Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN), por meio de diversas resoluções, legitima o envolvimento dos órgãos públicos em campanhas educativas. A Resolução CONTRAN nº 265/2007, por exemplo, institui o cronograma anual das campanhas de educação no trânsito, prevendo ações específicas para o mês de maio.
Além disso, o Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (PNATRANS), previsto na Lei nº 13.614/2018, estabelece metas mensuráveis para redução de mortes no trânsito, o que se alinha diretamente aos objetivos do Maio Amarelo.
4. Consequências Jurídicas e Institucionais
4.1 Consolidação da Responsabilidade Estatal
O Maio Amarelo ajudou a consolidar, no Brasil, a compreensão de que a segurança no trânsito é um dever do Estado, mas também uma responsabilidade compartilhada com a sociedade civil e o setor privado. A participação ativa de escolas, empresas e entidades de classe reforça a noção de accountability coletiva — todos os envolvidos no sistema de mobilidade devem contribuir para um trânsito mais seguro.
4.2 Ampliação da Jurisprudência e Discussões Judiciais
O crescimento das ações de conscientização também levou ao aumento do número de processos judiciais relacionados a acidentes de trânsito, principalmente nos campos da responsabilidade civil e penal. Condutas negligentes passaram a ser mais facilmente identificadas e punidas, como o uso do celular ao volante, direção sob efeito de álcool (Lei Seca) e excesso de velocidade.
A atuação dos órgãos de fiscalização foi legitimada com maior vigor, e tribunais brasileiros passaram a adotar interpretações mais rígidas sobre a responsabilidade de motoristas e empresas de transporte.
4.3 Educação como Instrumento de Prevenção
Na prática, o Maio Amarelo elevou o padrão das campanhas educativas promovidas por órgãos como o DETRAN, DENATRAN e PRF, resultando em maior engajamento social. Diversos estados e municípios aprovaram leis locais para criação de semanas e dias específicos de conscientização, com base na campanha nacional.
A jurisprudência também passou a considerar a existência de campanhas educativas como fator atenuante ou agravante, conforme o grau de exposição do motorista à informação de segurança.
5. Resultados Sociais e Indicadores de Impacto
Entre 2011 e 2020, período da Década de Ação pela Segurança no Trânsito, o Brasil reduziu em cerca de 27% as mortes por acidentes de trânsito, segundo dados do Ministério da Saúde. Ainda que aquém da meta de 50%, o avanço é significativo.
O Maio Amarelo contribuiu diretamente para:
- A queda nos índices de mortalidade juvenil no trânsito, faixa etária mais afetada.
- O aumento do número de ações educativas nas escolas públicas e privadas.
- O envolvimento de empresas no cumprimento da NR-35 e NR-36, que tratam de segurança em atividades de transporte.
- A inclusão de temas de trânsito nos meios de comunicação de massa — programas televisivos, novelas e publicidade.
Além disso, houve melhora na percepção de risco entre motoristas. Pesquisas do Observatório Nacional de Segurança Viária revelam que 87% dos entrevistados já ouviram falar no Maio Amarelo e associam o movimento à necessidade de cautela e respeito à vida no trânsito.
6. Críticas e Desafios
Apesar de seu mérito, a campanha também é alvo de críticas. Algumas delas:
- Excesso de marketing institucional, com pouco impacto real em localidades de alta vulnerabilidade social.
- Falta de integração nacional entre os DETRANs, o que torna as ações isoladas e descoordenadas.
- Baixo investimento em fiscalização e infraestrutura, especialmente nas regiões Norte e Nordeste.
- Ausência de um indicador oficial de impacto direto da campanha nos dados de acidentes.
Especialistas em mobilidade urbana apontam que campanhas educativas não substituem políticas públicas robustas, como investimentos em transporte público seguro e acessível, ciclofaixas, e fiscalização eletrônica eficaz.
7. Considerações Finais e Perspectivas Futuras
O Maio Amarelo transcende a condição de campanha publicitária e se consolida como uma política pública informal, que mobiliza instituições, cidadãos e governos em torno de um objetivo comum: salvar vidas no trânsito.
Para que sua eficácia se mantenha e se amplie, é necessário:
- Criar marcos legais específicos, que deem base jurídica clara às ações e obrigações dos entes federativos.
- Estabelecer metas de impacto verificáveis, com acompanhamento periódico.
- Investir em tecnologia e fiscalização, como radares inteligentes, câmeras de reconhecimento facial e sistemas integrados de transporte.
- Estimular a formação continuada de condutores e a revisão periódica da CNH, com provas de atualização obrigatórias.
Ao reconhecer o Maio Amarelo como uma plataforma de cidadania e responsabilidade coletiva, damos um passo além da simples educação: afirmamos, em termos jurídicos e sociais, o direito à vida e à mobilidade segura como cláusulas fundamentais da democracia brasileira.